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Índice

20.02 Tipos de verso

Os versos tradicionais

Embora não faltem exemplos de versos de treze e mais sílabas desde a poesia dos trovadores galego-portugueses, podemos considerar o dodecassílabo o verso mais longo normalmente empregado pelos poetas da língua antes da eclosão dos movimentos modernistas no Brasil e em Portugal.


1. Monossílabos


Os versos de uma sílaba são de uso raro. Geralmente aparecem combinados com outros maiores para obtenção de certos efeitos sonoros. De Cassiano Ricardo são estes monossílabos, agrupados em dísticos:

  • Rua
  • torta.

  • Lua
  • morta.

  • Tua
  • porta.

2. Dissílabos


Como os monossílabos, os versos de duas sílabas não são frequentes. Também se empregam, de regra, em estrofes polimétricas para obtenção de efeitos expressivos. Com dissílabos compôs Casimiro de Abreu o seu harmonioso poema A valsa:

  • Quem dera
  • As dores
  • De amores
  • Que louco
  • Senti!
  • Quem dera
  • Que sintas!...
  • — Não negues,
  • Não mintas...
  • Eu vi!...

3. Trissílabos

Com versos de três sílabas se fizeram alguns poemas nas literaturas de língua portuguesa, mas os trissílabos costumam ser mais usados em estrofes compostas, geralmente combinados com heptassílabos. Além do acento principal na 3ª sílaba, podem os trissílabos apresentar ou não um acento secundário na 1ª sílaba:

Sempre viva...
Que padece...

4. Tetrassílabos

Podem apresentar três cadências, que documentamos com versos do poema Elegia, de Ribeiro Couto:

  • a) acentuação na 2ª e na 4ª sílaba (mais comum):
  • Que quer o vento?

  • b) acentuação na 1ª e na 4ª sílaba:
  • Cheiro de flores

  • c) acentuação apenas na 4ª sílaba:
  • As inviveis

Como verso auxiliar, o tetrassílabo é usado de preferência em combinação com o heptassílabo e com o decassílabo.


5. Pentassílabos

Desde a época trovadoresca, o pentassílabo, ou verso de redondilha menor, tem sido usado nas quatro cadências possíveis no idioma:

  • a) acentuação na 2ª e na 5ª sílaba (mais comum):
  • Não chores, meu filho

  • b) acentuação na 1ª, na 3ª e na 5ª sílaba:
  • Vai sair agora

  • c) acentuação na 3ª e na 5ª sílaba:
  • Pescadores, vede!

  • d) acentuação na 1ª e na 5ª sílaba:
  • rola do mar


6. Hexassílabos

O verso de seis sílabas pode apresentar as seguintes cadências, que documentamos com versos do poema Perguntas, de Carlos Drummond de Andrade:

  • a) acentuação na 2ª, na 4ª e na 6ª sílaba:
  • Ou desse mesmo enigma

  • b) acentuação na 2ª e na 6ª sílaba:
  • Procios a naufrágio

  • c) acentuação na 4ª e na 6ª sílaba:
  • De me inclinar aflito

  • d) acentuação na 1ª, na 4ª e na 6ª sílaba:
  • Desse calado irreal

  • e) acentuação na 1ª, na 3ª e na 6ª sílaba:
  • Magras reses, caminhos

  • f) acentuação na 3ª e na 6ª sílaba:
  • Do primeiro retrato


7. Heptassílabos

O verso de sete sílabas ou de redondilha maior foi sempre o verso popular, por excelência, das literaturas de língua portuguesa e espanhola. Verso básico da poesia popular, desde os trovadores medievais aos modernos cantadores do Nordeste brasileiro, o heptassílabo nunca foi desprezado pelos poetas cultos, que dele se serviram por vezes em poemas de alta indagação filosófica. É usado em oito movimentos rítmicos, que passamos a documentar com exemplos colhidos na obra de Castro Alves:

  • a) ritmo alternante de sílaba forte e fraca, ou seja, acentuação na 1ª, na 3ª, na 5ª e na 7ª sílaba:
  • Gota a gota o orvalho cai.

  • b) variante do tipo anterior, com falta de acentuação na 1ª sílaba:
  • Enrolada em frios véus

  • c) variante do primeiro tipo, sem acentuação na 5ª sílaba:
  • Dizem rezas ao luar

  • d) variante também do primeiro tipo, sem acentuação na 1ª e na 5ª sílaba:
  • E das lascas dos pabulos

  • e) acentuação na 4ª e na 7ª sílaba:
  • Nas avarezas do amor

  • f) variante do tipo precedente, com acentuação também na 2ª sílaba:
  • Nos belos gelos do polo

  • g) variante do tipo e, com acentuação também na 1ª sílaba:
  • Pensas nos climas distantes

  • h) acentuação na 2ª, na 5ª e na 7ª sílaba:
  • A glória no louco a!

A outra cadência possível dentro das peculiaridades fonéticas do idioma — o heptassílabo com acentuação na 1ª, na 5ª e na 7ª sílaba —, por sua raridade, não deve agradar ao ouvido dos poetas. Veja-se este exemplo, colhido num poema de Cecília Meireles:

Sobre o comprimento do ar

8. Octossílabos

Eis os seus movimentos rítmicos, documentados na prática de Alphonsus de Guimaraens:

  • a) ritmo alternante de sílaba fraca e forte, isto é, acentuação na 2ª, na 4ª, na 6ª e na 8ª sílaba:
  • Baixava lento. A noite vinha

  • b) variante do tipo anterior, sem acentuação na 6ª sílaba:
  • Espectros cheios de esperança

  • c) variante do mesmo tipo, sem acentuação na 2ª sílaba, mas podendo ter ou não a 1ª sílaba acentuada:
  • No campario, ao sol incerto
  • Basta, talvez, a cova enorme

  • d) variante também do primeiro tipo, com acentuação interna apenas na 4ª sílaba, ou na 1ª e na 4ª:
  • O campario do deserto
  • Cheio de gubre misrio

  • e) variante ainda do primeiro tipo, sem acentuação na 4ª sílaba:
  • Paramos de repente à porta

  • f) acentuação na 1ª, na 3ª, na 5ª e na 8ª sílaba:
  • Era tarde. O sol no poente

  • g) variante do tipo anterior, sem acentuação na 1ª sílaba:
  • Com fadigas, suores e pranto

  • h) variante do mesmo tipo, sem acentuação na 3ª sílaba:
  • Quando o Jubileu se aproxima

  • i) acentuação na 2ª, na 5ª e na 8ª sílaba:
  • Em ondas o basto cabelo

  • j) acentuação na 3ª, na 6ª e na 8ª, podendo ter a 1ª sílaba também forte:
  • Entrevados de muitos anos
  • Junto deste caixão informe


9. Eneassílabos

Há dois tipos de versos de nove sílabas, ambos com raízes antigas na literatura portuguesa:

  • 1º) O eneassílabo anapéstico, que apresenta acentuação na 3ª, na 6ª e na 9ª sílaba e, por cadência uniforme e pausada, se tem prestado a composições de hinos patrióticos e de poemas cuja expressividade ressalta da absoluta regularidade rítmica. Comparem-se estes versos do Hino à Bandeira (letra de Olavo Bilac):
  • Contemplando o teu vulto sagrado,
  • Compreendemos o nosso dever;
  • E o Brasil, por seus filhos amado,
  • Poderoso e feliz há de ser.

  • 2º) O eneassílabo com acento interno fundamental na 4ª sílaba, que, por exigência idiomática, recebe forçosamente um outro na 6ª ou na 7ª sílaba. Seus movimentos rítmicos são, pois, os seguintes, documentados com exemplos colhidos no , de Antônio Nobre:
    • a) acentuação na 4ª, na 6ª e na 9ª sílaba, podendo ter a 1ª ou a 2ª sílaba também forte:
    • Adeus! ó Lua, Lua dos Meses,
    • Lua dos Mares, ora por nós!...

    • b) acentuação na 4ª, na 7ª e na 9ª sílabas, com a possibilidade de ser a 1ª ou a 2ª sílaba também acentuada:
    • Adeus! Que estranha Visão é aquela
    • Que vem andando por sobre o mar?
    • Todos exclamam de mãos para ela.


10. Decassílabos

Desde o século XVI, por influência italiana, fixaram-se dois tipos de versos de dez sílabas, que iriam predominar até os dias de hoje nas literaturas de língua portuguesa. São eles:

  • a) o decassílabo chamado heroico, acentuado fundamentalmente na 6ª e na 10ª sílaba, mas com possibilidades de ter acentuações secundárias na 8ª e numa das quatro primeiras sílabas:
  • Hoje, segues de novo... Na partida
  • Nem o pranto os teus olhos umedece,
  • Nem te comove a dor da despedida.
  • (O. Bilac)

  • b) o decassílabo chamado sáfico, que apresenta acentuação na 4ª, na 8ª e na 10ª sílaba, podendo, naturalmente, ter a 1ª ou a 2ª sílaba também fortes:
  • Quando eu te fujo e me desvio cauto
  • Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
  • Contigo dizes, suspirando amores
  • "— Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!"
  • (C. de Abreu)


11. Hendecassílabos

O hendecassílabo foi muito usado pelos nossos poetas românticos numa cadência sempre uniforme, ou seja, com acentuação na 2ª, na 5ª, na 8ª e na 11ª sílaba:

  • Nas horas caladas das noites d'estio
  • Sentado sozinho c'oa face na mão,
  • Eu choro e soluço por quem me chamava
  • — "Oh filho querido do meu coração!" —
  • (C. de Abreu)

Este tipo de hendecassílabo nada mais é do que a simples restauração da forma por que se apresentava com mais frequência o Verso de arte-maior, o verso longo, de quatro acentos, que servia aos poetas peninsulares em suas composições graves e solenes até princípios do século XVI, quando foi eclipsado pelo decassílabo de origem italiana.


12. Dodecassílabos

O dodecassílabo é mais conhecido por verso alexandrino, denominação que tem gerado numerosos equívocos, principalmente pelo fato de existirem, ainda hoje, dois tipos de alexandrino: o alexandrino francês (de doze sílabas) e o alexandrino espanhol (de treze sílabas), este último muito pouco cultivado pelos poetas de nossa língua.

O alexandrino francês apresenta dois tipos ritmicamente bem distintos: o clássico e o romântico.

O alexandrino chamado clássico tem a cesura no meio do verso, que fica assim dividido em dois hemistíquios de partes iguais (6 + 6). Daí resulta ser acentuado na 6ª e na 12ª sílaba, como se vê destes exemplos de Augusto de Lima:

  • Nessas noites de luz // mais belas do que a aurora,
  • As errantes visões // das almas peregrinas
  • Vão voando a cantar // pela amplidão afora...

Os românticos franceses não desdenharam do clássico ritmo binário (6 + 6), nem do seu submúltiplo, o tetrâmetro (3 + 3 + 3 + 3), mas deram ênfase a uma forma pouco usada pelos clássicos, o alexandrino de ritmo ternário (4 + 4 + 4), em que a cesura deixa de coincidir com o hemistíquio. A este tipo de dodecassílabo dá-se o nome de trímetro, ou de alexandrino romântico. Leia-se, por exemplo, este verso de Camilo Pessanha:

Adormecei. Não suspireis. Não respireis.


Saliente-se por fim que os poetas da nossa língua têm obedecido com certo rigor a duas normas na juntura dos hemistíquios dos ALEXANDRINOS:

  • a) só empregavam palavra grave no final do primeiro hemistíquio se o segundo hemistíquio começasse por vogal, a fim de garantir a integridade do verso pela sinérese das duas vogais em contato, como nos mostra este verso de Amadeu Amaral:


  • b) nunca usavam palavra esdrúxula no final do primeiro hemistíquio.

O verso livre

O verso livre, que foi posto em prática pelo grande poeta norte-americano Walt Whitman na obra Folhas de relva (Leaves of Grass, 1855), veio a dominar na poética dos simbolistas de língua francesa: Gustave Kahn, Jules Laforgue, Emile Verhaeren, Francis Vielé-Griffin, Henri de Régnier, Jean Moréas e tantos outros.

Gustave Kahn, poeta e principal teorizador do verso livre, procurou estabelecer-lhe os princípios, que podem ser assim resumidos:

  • a) o verso deve possuir sua existência própria e interior consubstanciada numa coerente unidade semântica e rítmica;

  • b) a unidade do verso será então definida como o fragmento mais curto possível em que haja uma pausa da voz e uma conclusão de sentido;

  • c) a estrofe não terá mais um desenho preestabelecido, mas será condicionada pelo pensamento ou pelo sentimento;

  • d) a inversão e o cavalgamento são recursos que devem ser banidos do verso.

Tais princípios se consubstanciam, por exemplo, no poema Os ombros suportam o mundo, de Carlos Drummond de Andrade, cuja primeira estrofe é a seguinte:

  • Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
  • Tempo de absoluta depuração.
  • Tempo em que não se diz mais: meu amor.
  • Porque o amor resultou inútil.
  • E os olhos não choram.
  • E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
  • E o coração está seco.

Mas, como bem salienta Henri Morier, não podemos dizer que exista a priori uma técnica uniforme do verso livre. Cada poeta procura forjar o seu próprio instrumento, não sendo raro o mesmo autor ensaiar várias técnicas, como documenta a obra dos principais poetas modernistas portugueses e brasileiros.

Advirta-se, por fim, que um verso só pode ser considerado livre dentro de certos tipos de estrutura poemática, estrutura que representa sempre uma organização interativa. "A linha só é unidade poética se há poema. É o poema que faz o verso livre, e não o verso livre que faz o poema. Exatamente como nos versos métricos."